A energia do Helloween tomou conta do tradicional pub porto-alegrense em uma noite inesquecível de covers executados com maestria
Existem noites que se tornam especiais não apenas pelo que acontece no palco, mas pela comunhão que se estabelece entre músicos e público. Foi exatamente isso que testemunhei na noite do 16/04 quando o Divina Comédia, reduto do rock na Cidade Baixa de Porto Alegre, abriu suas portas para a apresentação da Hell On Wings, banda cover que presta tributo ao lendário grupo alemão de power metal Helloween.
Após registrar a energia contagiante do Black Sabbath através do Sweet Leaf em fevereiro, vivenciar a nostalgia dos Smiths com o Strangesmiths, e capturar a força visceral dos Ratos de Porão em Novo Hamburgo, retornei à cena porto-alegrense com minhas lentes prontas para registrar mais um capítulo importante da cena musical gaúcha.
Duas Eras, Um Legado
O show foi estruturado de forma inteligente, começando com o que chamaram de "Bloco Kiske", homenageando a primeira fase da banda alemã com seu vocalista mais icônico. "I'm Alive" abriu os trabalhos, demonstrando imediatamente que estávamos diante de músicos tecnicamente preparados para o desafio de reproduzir peças tão complexas.
Os solos de guitarra foram executados com precisão, enquanto Silvano alcançava as notas agudas que consagraram Michael Kiske.
"Twilight Of The Gods" e "March Of Time" completaram esta primeira tríade, momento em que a banda finalmente se apresentou formalmente e compartilhou seu perfil no Instagram (@hellonwings.br). Foi interessante observar como minha lente captava não apenas a performance técnica, mas as expressões de satisfação no rosto de cada fã que cantava junto.
Do Terror Trash aos Hinos de Rebeldia
"A seguinte música é de uma fase mais suera, inspirada em filmes de terror trash, um grande clássico do Helloween", anunciou Silvano antes de atacar os primeiros versos de "Dr. Stein". O público reagiu imediatamente, criando um coro que se misturava com a voz potente do vocalista.
Antes de "Future World", Silvano contextualizou a mensagem da canção, relacionando-a ao ideal de uma sociedade utópica. Este momento de conexão entre música e significado elevou a experiência, proporcionando uma dimensão mais profunda ao que poderia ser apenas uma execução técnica de covers.
"I Want Out" encerrou o primeiro bloco com uma energia avassaladora. "Este é o grande hino à rebeldia, à independência de pensamento, a quebrar expectativas sociais e fugir da pressão", explicou o vocalista antes de entregar uma interpretação visceral da música que ficou marcada como uma das principais do Helloween.
A Era Deris Ganha Vida
A transição para o "Bloco Deris" foi notável não apenas pela mudança no repertório, mas pela adaptação vocal que Silvano apresentou, aproximando-se da tonalidade característica de Andi Deris. "Before The War", "Steel Tormentor" e "My God-Given Right" formaram um conjunto poderoso que mostrou outro lado da banda alemã.
Neste momento, percebi como o trabalho do baterista Fabiano Lopes merecia destaque especial. O bombo duplo característico do power metal estava presente com uma nitidez impressionante, sustentando o peso das composições com precisão metronômica.
A mudança de afinação para as músicas mais pesadas do Helloween trouxe um comentário relevante de Silvano sobre "não deixar as notícias negativas roubarem seu protagonismo e a busca pelos sonhos" - introdução perfeita para a sequência "Deliberately Limited Preliminary Prelude in Z", "Push" e "Falling Higher".
Momento Acústico e Conexões Emocionais
Foi durante a apresentação individual dos músicos que o show ganhou uma dimensão mais íntima. Cada integrante demonstrou seu virtuosismo, com destaque para Jean Henrique executando técnicas de tapping no baixo - algo que raramente se vê em shows de tributo e que demonstra o comprometimento da banda com a excelência.
O momento mais emocionante da noite veio com "Forever and One" em versão acústica. O Divina Comédia, normalmente tomado pela energia elétrica do rock, transformou-se em um mar de luzes de celulares balançando lentamente, enquanto Silvano entregava uma interpretação sensível desta balada atemporal.
Crítica Social e Energia Final
Ao apresentar "Perfect Gentleman", Silvano fez uma crítica perspicaz sobre o narcisismo contemporâneo e a busca desenfreada por validação online, colocando a música de décadas atrás em um contexto absolutamente atual. Equipado com chapéu e bengala, ele incorporou a personagem da canção com uma teatralidade que enriqueceu a apresentação.
"Where The Rain Grows", "I Can" e "Power" elevaram novamente a energia do público, com mensagens motivacionais sobre acreditar no poder interior e buscar a realização dos sonhos. Neste momento, as minhas fotografias capturavam não apenas a banda, mas a comunhão completa entre músicos e plateia - aquele momento mágico em que a barreira entre palco e público praticamente desaparece.
Um Encore Inevitável
Quando a banda anunciou que estava se despedindo, o público naturalmente clamou por mais. Com um sorriso no rosto, Silvano desafiou os presentes a adivinharem qual clássico ainda faltava no setlist. Não demorou para que o coro de "Eagle Fly Free" tomasse conta do ambiente.
E foi justamente com esta obra-prima do power metal que a Hell On Wings encerrou sua apresentação, em uma execução impecável que arrancou os últimos suspiros de energia da plateia já extasiada. Ao meu lado, a fotógrafa Jessi (@jessicakuhnefotografia) também capturava estes momentos finais, enquanto nos preparávamos para a tradicional foto da banda com o público.
Além do Tributo, Um Sonho
Antes de deixar o palco, Silvano compartilhou algo pessoal com o público: ele está participando de um concurso para cantar ao lado de Edu Falaschi, ex-vocalista da lendária banda Angra, na turnê comemorativa de 20 anos do álbum "Temple Of Shadows". QR codes espalhados pelo bar convidavam os presentes a votarem nele - um gesto que mostra como a música é feita não apenas de técnica, mas de sonhos e conexões emocionais.
Após ver sua performance impecável, alcançando as notas mais desafiadoras do repertório do Helloween com aparente facilidade, não restam dúvidas de que Silvano merece esta oportunidade. Sua dedicação ao craft vocal ficou evidente em cada nota, especialmente nos momentos mais agudos que exigem técnica refinada.
A Técnica por Trás da Magia
Como fotógrafo que tem acompanhado diversos shows da cena rock gaúcha, posso afirmar com segurança que a Hell On Wings se destaca pelo nível de preparo e conexão entre os músicos. É evidente que cada ensaio foi aproveitado ao máximo, resultando em uma performance coesa e energética.
Os guitarristas Romulo e Gustavo demonstraram completo domínio de seus instrumentos, executando solos complexos com uma precisão impressionante. O baixista Jean não se contentou em apenas marcar o tempo, trazendo técnicas avançadas como o tapping que mencionei anteriormente, enquanto Fabiano na bateria sustentou toda a estrutura rítmica com seu bombo duplo preciso.
E Silvano, ah, Silvano... Transitar entre os registros vocais de Michael Kiske e Andi Deris não é tarefa para qualquer cantor, exigindo uma versatilidade vocal que poucos possuem. Ele não apenas cumpriu a tarefa, mas adicionou sua própria personalidade às interpretações, tornando-as autênticas dentro da proposta de tributo.
O Divina Comédia Como Cenário Perfeito
Não poderia deixar de mencionar como o Divina Comédia, com toda sua história na cena alternativa de Porto Alegre, ofereceu o cenário perfeito para esta celebração do power metal. A iluminação intimista, a proximidade entre palco e público, e a acústica que favorece o rock mais pesado criaram as condições ideais para que a magia acontecesse.
Este histórico pub da Cidade Baixa segue como um dos últimos bastiões da música ao vivo na capital gaúcha, resistindo às adversidades e continuando a oferecer espaço para que bandas como a Hell On Wings mantenham vivo o espírito do rock em suas diversas vertentes.
Asas Para Voar Mais Alto
A Hell On Wings provou, naquela noite de 16 de abril, que tributos podem ir muito além da simples reprodução de músicas famosas. Quando executados com paixão, técnica e respeito ao material original, transformam-se em experiências genuínas que honram o legado das bandas homenageadas enquanto criam suas próprias memórias.
Como fotógrafo que tem acompanhado a cena musical gaúcha, saí do Divina Comédia com a certeza de ter presenciado algo especial - um grupo de músicos talentosos que, como a música "Eagle Fly Free" sugere, têm asas para voar cada vez mais alto.
E para quem deseja apoiar o sonho de Silvano de dividir o palco com Edu Falaschi na turnê comemorativa de "Temple Of Shadows", clique aqui e vote. Depois de testemunhar sua performance, posso afirmar que ele merece esta oportunidade.
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