O NH Hall em Novo Hamburgo foi palco de um dos eventos mais esperados do cenário underground gaúcho, reunindo o lendário Ratos de Porão e um line-up de peso com bandas que representam diferentes gerações do hardcore e metal brasileiro. A casa foi tomada por fãs ávidos por experimentar a intensidade e a energia crua que apenas um show genuíno de hardcore punk pode proporcionar.
Diokane: A Abertura Devastadora da Noite
Abrindo os trabalhos da tarde, o Diokane mostrou por que é considerado uma das principais forças da cena underground gaúcha.
Com uma formação composta por Homero (vocal), Rafael (guitarra), Billy (baixo) e Gabriel (bateria), a banda entregou um set demolidor que combina elementos de metal extremo e hardcore, criando uma atmosfera de caos controlado que preparou perfeitamente o terreno para o que viria pela frente.
A performance do quarteto foi marcada pela precisão técnica e pela brutalidade sonora, características que têm sido sua marca registrada desde a formação em 2016. Homero, com seu vocal gutural e presença de palco imponente, comandou o público com autoridade, enquanto a seção instrumental oferecia uma base sólida e técnica impressionante.
Transitando entre músicas de seu mais recente lançamento, o Diokane ofereceu uma mistura de blast beats frenéticos, breakdowns esmagadores e riffs técnicos que fazem jus à sua proposta de metalcore sem concessões. A resposta do público com um headbanging intenso mesmo sendo a primeira banda.
Deixando bem em claro o nivel da apresentação em cada execução, uma energia devastadora exemplificando perfeitamente a proposta sonora da banda, combinando agressividade extrema com passagens técnicas surpreendentes. O suor já escorria das paredes do NH Hall quando o quarteto encerrou seu set, deixando claro que a noite seria de intensidade máxima do início ao fim.
Churril: Metal Extremo com Identidade Própria
Na sequência, foi a vez do Churril subir ao palco, trazendo sua proposta de metal extremo com identidade própria e letras em português que abordam temas sociais e existenciais.
Formado por David (vocal), Ricardo Pirotti (guitarra), Cássio Lemos (baixo) e Guilherme (bateria), o quarteto demonstrou por que conquistou respeito na cena metal do sul do país.
O Churril apresenta uma sonoridade que passeia entre o death metal técnico e o thrash metal old school, sem medo de incorporar elementos de hardcore e até mesmo experimentações mais progressivas. A técnica apurada de cada integrante foi evidente durante todo o set, com destaque para os solos vertiginosos de Ricardo e para a base rítmica precisa formada por Lemos e Guilherme.
David, além de entregar vocais brutais, estabeleceu uma conexão genuína com o público entre as músicas, contextualizando as letras e incentivando a participação dos presentes. Cada música foram recebidas com entusiasmo pelo público que já estava completamente envolvido pela atmosfera do evento.
A dinâmica da banda no palco impressionou, alternando momentos de pura velocidade e agressividade com passagens mais cadenciadas e pesadas, demonstrando maturidade musical e domínio do palco. O Churril encerrou sua participação deixando o público em estado de êxtase e preparado para a continuação da noite.
Vultures HC: A Fúria do Hardcore Tradicional
O Vultures HC elevou ainda mais a temperatura do NH Hall com sua abordagem ferozmente tradicionalista do hardcore.
Formado por Fernando TAMPA (vocal), Lucas BISOL (guitarra), Tiarles TCHATCHA (baixo) e Douglas VERME (bateria), a banda trouxe a essência do hardcore anos 80 para o palco, com uma energia contagiante e uma atitude autêntica que capturou a atenção de todos os presentes.
O que diferencia o Vultures HC é sua capacidade de honrar as raízes do gênero sem soar datado ou nostálgico. As músicas curtas e diretas, raramente ultrapassando os dois minutos, são executadas com uma intensidade avassaladora que provoca reações imediatas no público. TAMPA, como é conhecido no meio, se mostrou um frontman carismático e intenso com os fãs que se amontoavam na frente do palco para cantar junto.
Durante músicas o chão do NH Hall tremeu recriando a atmosfera dos primórdios do hardcore. A banda demonstrou coesão impressionante, com a guitarra cortante de Luis, o baixo potente de Tiarles e a bateria implacável de Douglas formando a tempestade perfeita para os vocais raivosos de Fernando Tampa.
A mensagem de contestação e inconformismo, tão característica do hardcore, esteve presente em cada momento da apresentação do Vultures HC, seja nas letras diretas ou nos discursos entre músicas. A banda deixou claro por que é uma das principais referências quando o assunto é hardcore genuíno no sul do Brasil.
Rotentix: Punk Rock de Atitude
Na sequência, o Rotentix subiu ao palco trazendo a essência do punk rock direto e sem floreios. A banda, formada por Douglas Wyse (vocal), Thiago Kamming (guitarra), Felipe Bittencourt (baixo) e Alex Lamarque (bateria), injetou uma dose de adrenalina com seu punk rock veloz e cheio de atitude.
O quarteto se destaca pela simplicidade eficaz de suas composições e pela mensagem contundente de suas letras. Durante o show, Douglas não economizou nas interações com o público, espalhando energia entre uma música e outra. Teve momentos de auge ao executar verdadeiros hinos, que levantaram a plateia em um coro uníssono e punhos erguidos.
A sonoridade do Rotentix remete ao punk rock clássico dos anos 80, com riffs diretos e vocais rasgados, sem perder de vista a identidade brasileira. O baixo de Felipe forma com a bateria de Alex uma base rítmica sólida que sustenta as explosões de energia da guitarra de Thiago, criando o ambiente perfeito para as letras contestadoras.
Mesmo com mais de duas décadas de estrada, o Rotentix mantém a energia e a relevância que os tornou uma presença constante nos palcos da região sul. Seu set no NH Hall demonstrou porque a banda continua sendo uma referência quando o assunto é punk rock com mensagem e atitude.
A performance do Rotentix reafirmou a importância do punk rock como ferramenta de contestação e expressão genuína de inconformismo, valores que nunca perdem sua relevância em tempos de crise.
Harmony Fault: Goregrind Gaúcho
Como última banda de suporte antes da atração principal, o Harmony Fault demonstrou porque está rapidamente ganhando espaço na cena underground.
Formado por Guilherme Freiberger (vocal), Eduardo Mulinari (guitarra), Rafael Monteiro (baixo) e Calebe (bateria), o quarteto entregou um set explosivo de goregrind com influências death metal.
A banda aproveitou a oportunidade para apresentar faixas do seu recente material "Gore Beyond Blood", demonstrando uma sonoridade técnica e agressiva que já carrega uma identidade própria. Guilherme, nos vocais, dominou o palco com presença marcante, mesclando seus guturais profundos aos gritos agudos do baterista Calebe, que rasgavam o ar do NH Hall como lâminas sonoras.
O que impressiona no Harmony Fault é a maturidade musical apresentada, com composições que mesclam breakdowns pesados e melodias atmosféricas, evidenciando o estudo e dedicação dos músicos ao seu craft. Durante sua apresentação, o público respondeu com entusiasmo que contou com um circle pit energético.
A banda demonstrou profissionalismo e uma química de palco que sugere um futuro promissor no cenário. Harmony Fault já conquistou seu espaço como um dos representantes da nova safra do goregrind sul-rio-grandense, mesclando agressividade e técnica de maneira equilibrada. Seu set preparou perfeitamente o terreno para a apresentação da lenda que encerraria a noite.
Ratos de Porão: Três Décadas de História do Hardcore Brasileiro
E então chegou o momento mais aguardado da noite. Após cinco bandas que prepararam o público com maestria, os holofotes se voltaram para o Ratos de Porão, verdadeira instituição do hardcore/thrash brasileiro que há mais de 30 anos vem representando o país nos quatro cantos do mundo.
João Gordo (vocal), Jão (guitarra), Juninho (baixo) e Boka (bateria) subiram ao palco sob aplausos ensurdecedores e gritos da plateia já em estado de êxtase.
A história do Ratos se confunde com a própria história do hardcore e do metal extremo no Brasil. Formados em 1981 em São Paulo, a banda atravessou décadas reinventando-se sem perder sua essência e autenticidade, influenciando gerações de músicos e conquistando respeito internacional com sua proposta única que mistura hardcore punk, thrash e elementos de grindcore.
O set do RxDxPx no NH Hall foi uma verdadeira aula de história musical, passeando por diferentes fases da carreira da banda, demonstrando que a relevância e a contundência da banda permanecem intactas mesmo após tantos anos.
João Gordo, aos 60 anos, provou por que é considerado um dos maiores frontmen do rock brasileiro. Com sua presença magnética e carisma inconfundível, comandou a plateia com autoridade e irreverência, alternando entre momentos de pura agressividade vocal e interações bem-humoradas com o público. Suas críticas sociais e políticas entre as músicas foram recebidas com aplausos e gritos de apoio, demonstrando a sintonia entre banda e fãs.
Jão, guitarrista original e co-fundador da banda, continua sendo uma força da natureza. Seus riffs cortantes e solos frenéticos são a espinha dorsal sonora do Ratos, transitando com naturalidade entre a velocidade do hardcore/thrash e momentos mais cadenciados e pesados. A seção rítmica formada por Juninho e Boka demonstrou por que é considerada uma das mais poderosas do metal brasileiro, com uma precisão impressionante que sustenta toda a fúria sonora característica da banda.
A interação entre banda e público atingiu seu ápice, com João dividindo o microfone com dezenas de fãs que se acotovelavam para cantar junto ao seu ídolo. A capacidade do Ratos de Porão de criar músicas que resistem ao teste do tempo é um dos fatores que explicam sua longevidade e influência duradoura.
A produção do show (Ablaze Productions) impressionou, com jogo de luzes sincronizado com a intensidade das músicas e som impecável que permitia distinguir cada instrumento mesmo nos momentos mais caóticos. O palco do NH Hall, embora não seja dos maiores, comportou com dignidade a energia explosiva dos quatro integrantes que pareciam possuídos pelo espírito do hardcore durante toda a apresentação.
O Ratos de Porão encerrou provocando uma catarse coletiva que serviu como perfeita conclusão para uma noite histórica. O público, exausto mas visivelmente satisfeito, deixou o NH Hall com a certeza de ter testemunhado não apenas um show, mas um capítulo importante da história do hardcore brasileiro.
O que ficou evidente ao final do evento foi a capacidade única do Ratos de Porão de transcender gerações e influenciar toda uma cena. Das bandas de abertura até o público diverso em idade e estilo, todos demonstravam respeito e admiração pela trajetória dos paulistas que, mesmo após mais de três décadas, continuam sendo a principal referência quando o assunto é hardcore no Brasil.
O show em Novo Hamburgo comprovou que, longe de ser apenas uma banda nostálgica, o Ratos de Porão segue relevante e necessário, mantendo viva a chama do hardcore genuíno e contestador em tempos onde a autenticidade se torna cada vez mais rara. João Gordo, Jão, Juninho e Boka deixaram o palco como entraram: como lendas vivas de um gênero que eles ajudaram a estabelecer e continuar a reinventar no Brasil.
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